Por um País para todos: As vítimas da corrupção

Avatar By Redacao Jun 14, 2024
Por um País para todos: A arrogância da governação - Alexandra Simeão

A corrupção tem de ser considerada um crime contra a humanidade. Faz vítimas. Vários tipos de vítimas. Mata milhares de pessoas todos os anos. As vítimas da malária são vítimas da corrupção. Se o dinheiro público fosse gasto no saneamento básico, a malária não seria a principal causa de morte em Angola. A morte por malária é um crime público, pela ausência de cuidado e de políticas públicas consequentes que impeçam a morte de milhares de pessoas. Em 2022, morreram nove mil pessoas vítimas de malária, de acordo com o Jornal de Angola e 10, 4 mil, de acordo com a VOA. O número de casos foi superior a três milhões. Apesar do decréscimo do número de mortes, nove ou dez mil pessoas mortas por negligência institucional não é nenhum motivo de orgulho.

A OMS estimou, em 2023, que Angola continua a ser “altamente vulnerável à malária, que é responsável por 40% das doenças e 42% das mortes no País”. O combate à malária não começa com o povo que não pode viver enrolado numa rede mosquiteira o dia inteiro. Começa pela eficiência e pela eficácia das políticas públicas subjacentes e inadiáveis. As campanhas de moralização não resolvem este problema porque, no fim do dia, é na rua que as “águas domésticas” dentro das bacias vão parar, por falta de um sistema robusto de canalização e de saneamento.

A fome que mata em Angola é outra consequência da corrupção. A produção nacional que apodrece por falta de estradas capazes de se manterem pelo tempo de vida útil para o qual foram pagas. Um povo de um país com os nossos recursos não pode morrer de fome. A importação de bens produzidos em Angola não pode ser mais barata que os produtos nacionais.

Os mais vulneráveis são quem sente de forma mais amarga os seus efeitos. As crianças que ficam sem escola. Sem um pediatra. Sem a comida que as deve proteger na primeira infância, comprometendo, nesta altura, toda a sua capacidade cognitiva restringida de forma permanente para a vida adulta. A escola que fica sem carteiras, sem casas de banho, sem nenhum tipo de apoio social e que compromete o capital social futuro. O hospital que não garante vida por falta de equipamentos vitais em todo o País, medicamentos e profissionais. O posto de saúde rural que, na maioria das vezes, só tem enfermeiros esforçados, mas que não podem fazer mais do que as suas capacidades permitem. As mulheres que morrem no parto. Os velhos que morrem ainda com vida por viver.

A corrupção não pode ser impedida por quem governa, mantendo no seio tantos casos suspeitos ao longo dos anos, imunes a todas as investigações. Sem a total e absoluta independência da Justiça não haverá nenhum combate à corrupção que seja legível em termos de resultados. A história desta governação está farta de provar essa falência. A Tolerância Zero, que nasceu em 2008, foi um nado-morto. Um golpe de areia para os olhos dos eleitores. A luta contra a corrupção em Angola é selectiva, tem fins inconfessos e não tem como missão acabar com a corrupção, mas, sim, desviar as atenções deste cancro metastizado que vai devorando todos os órgãos do País sem remorsos, sem culpa e sem consequências. Não basta ser a mulher de César, há que parecer, agir em conformidade, ser consequente na promessa e nos resultados.

A corrupção tem um efeito predador. É nociva. Contagiosa. Consciente. Perversa. Consequente na desconstrução do processo democrático. Poderosa porque tem os seus parentes em todas as cozinhas do poder. E no final do dia a nossa maior desgraça, apesar de tantas leis de combate ao fenómeno.

O reforço da confiança dos cidadãos faz-se com exemplos claros. Sem uma governação obscura. Com prestação de contas. Com concursos públicos exemplares. Faz-se mostrando o caminho do desenvolvimento. Do progresso social. Da segurança dos trabalhadores que conseguem viver do seu salário com dignidade. Do acesso ao crédito sem cunhas. Com uma gestão tributária consciente da situação do País que não seja predadora com os privados que a todo o custo tentam sobreviver.

O reforço da confiança dos cidadãos faz-se com eleições justas, com a liberdade de qualquer cidadão poder concorrer de forma independente à liderança do País. Com a repartição justa e equitativa da riqueza. Com prazo para cumprir funções públicas contrariando a longevidade dos mandados que perdem a objectividade, a inovação e, sobretudo, a preocupação genuína com o povo que juraram defender.

O reforço da confiança dos cidadãos faz-se com um tecto digno para todos. Uma habitação social sem chico espertices. Não é bonito ver em que condições vivem milhões de angolanos no século XXI. As pessoas vivem sem quaisquer condições de habitabilidade, de forma desumana, sem água e sem respeito por nenhum tipo de convenção internacional, sendo a habitação também um Direito Humano desde 2001. É uma situação de puro egoísmo e falta de patriotismo, quando os servidores públicos colocam os luxos da governação à frente da salvaguarda da vida do seu povo.

Os movimentos de libertação em toda África estão a conhecer dias de ausência de glória. Dias amargos. A culpa não são os outros, nem nenhuma conjuntura cabalística internacional. São os membros destes movimentos que não souberam ler as evidências da pobreza, ouvir o cansaço das dores do povo, perceber quão desarticulada era a sua governação. Desde as independências dos seus países e no caso do ANC desde a queda do Apartheid, não foram capazes de transformar o que estava mal e criar um país para todos. Em todos estes movimentos, o factor corrupção foi decisivo. Uma mancha incapaz de ser sanada. O enriquecimento dos governantes é perverso quando não chegou com ele ao cargo.

As vítimas da corrupção são todos os angolanos que, todos os dias, perdem o País e a qualidade de vida. É o ambiente que se degrada a olhos nus. É a nossa imagem da eterna mão estendida que nos transformou num Estado fraco. Por todas as razões, a corrupção devia ser considerada um crime contra a humanidade, pelo sofrimento que causa, pela destruição dos países e pela quantidade de mortes que, somadas, são um verdadeiro genocídio.

Por Alexandra Simeão